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Teatral-Mente Opinando 31 | A Morte do Príncipe

Sala Estúdio - Teatro da Trindade. 17 de Novembro de 2016 (21h45).

A Morte do Príncipe · A partir de Shakespeare, Pessoa e Müller; encenação e dramaturgia de Ricardo Boléo; figurinos de Fernanda Serra; produção Teatro Aberto; com José Condessa e Lídia Muñoz. 
Sala Estúdio do Teatro da Trindade; levada a cena de 27 de Outubro a 20 de Novembro




A Morte do Príncipe é uma encenação pós-moderna de Ricardo Boléo, que assina também a autoria, partindo de Shakespeare, Müller e Pessoa, numa surpreendente conjugação orquestrada de temáticas, sucessivamente sincopadas e desconstruídas, quer pelo metateatro, diga-se o teatro sobre e em si mesmo, quer, oposta mas ainda assim simultaneamente pela desconstrução antagónica do limite, tanto actor-personagem, como personagem-personagem pela criação de híbridos Hamlet / Ofélia, que se ramificam ainda em universos de Muller e Pessoa, nas suas vertentes bélicas, de maquinismo, de existencialismo e de vida/morte. 
Num universo cénico fora de tempo, mas de todos os tempos, José Condessa e Lídia Muñoz, absolutamente brilhantes, quebram limites entre os três autores, caminhando sobre pontos de fusão imprevisíveis das suas respectivas esferas. Estilhaçam a condição de personagem pela eliminação da visão rectilíneo de quem via o primeiro como Hamlet, que é pois afirma não o ser. E tanto não o é pelo teatro fora do teatro, como pela putrefacção do corpo, como pela deambulação do espírito na permanência da vida, como ainda, e outro ponto fulcral, pela máscara imposta por condicionantes exteriores (da sociedade, do teatro, e, espelho do próprio espelho, de Hamlet em si mesmo). 
A decadência da sociedade, os limites da condição humana, a efemeridade do corpo-carne e o confronto com a sua deterioração são cortados pela ode à industrialização e às máquinas, à desumanização que se fetichisa como na Ode Triunfal. 
As questões humanas do devir são postas em permanente ocorrência, com o simultâneo perpétuo mas efémero presente e alienação do mesmo, uma vez mais, ainda que disruptivos um do outro, conjugados. Tal junção de complexos núcleos da pós-modernidade performática, é conseguida, com efeito, pela envolvência quase transcendental que invoca o sentir contínuo do espectador (da personagem / espelho / actor / ponte de universos / desmoronamento de limites). 
A Morte do Príncipe, sendo por demais emersivo pela atmosfera performática que impele no espectador, é do mesmo modo tanto reflexivo como inversor de linhas de reflexão, pelas contradições que o próprio contém e transpõe, sendo um exercício de permanente equilibro ou desequilíbrio entre todos os mundos (de Shakespeare, de Muller, de Pessoa e de Boléo) para os quais abre janelas, dentro dos quais, a partir dos quais é através dos quais se fez criar enquanto peça.