Lisboa Amor Perfeito é a revista estreada no Maria Vitória em meados de Novembro do ano transacto e que tem como cabeças de cartaz os veteranos Carlos Cunha e Vera Mónica. Esta é mais uma revista à portuguesa que continua a luta por insuflar um pouco de vida no velhinho Parque Mayer, outrora o coração da cidade de Lisboa e que se bate por manter de pé o mítico Teatro Maria Vitória, único que sobrevive.
As matinées de Sábado e Domingo têm registado boas casas, com excursões vindas de todo o país e jovens que começam agora a descobrir o Teatro de Revista. O espectáculo, muito distante das revistas dos tempos áureos do Parque Mayer, compõe-se de cerca de 27 quadros plenos de crítica social e política, entremeados com músicas e bailados, tal como manda a tradição e a velha receita da revista à portuguesa.
E a receita parece continuar a surtir efeito pois, apesar de tudo, a degradação não consegue afastar os amantes da revista. As ruas do Parque são hoje um amontoado de entulho, fruto das obras do Teatro Capitólio, que brevemente irá reabrir as suas portas devolvendo algum do brilho perdido ao velhinho recinto, e povoam-se de gatos e automóveis de luxo, um cenário bem diferente daquele que se vivia há 40 ou 50 anos atrás, quando Lisboa morava no Parque Mayer... Mas dentro do Maria Vitória as luzes, os telões, as lantejoulas e as plumas ainda conseguem pintar, apesar de pálido, um retrato do que era o Parque Mayer e servem de ventilador que consegue insuflar um pouco de vida no coração da cidade.
Nos dias de soirée, pelas 21h já as luzes se acenderam na bilheteira do Maria Vitória e iluminam o colorido cartaz de Lisboa Amor Perfeito e os nomes conhecidos de Carlos Cunha e Vera Mónica, a par do nome dos jovens que teimam em emprestar à revista, ainda que por vezes o seu trabalho não seja valorizado, a sua juventude, talento e garra. São os casos de Flávio Gil, que aos 23 anos alia o talento para vestir mil e uma personagens ao talento de autor, assinando, com Mário Raínho, os textos da revista; Élia Gonzalez, Érika Mota ou Nuno Pires. O público, a pouco e pouco, vai chegando e vai ocupando os seus lugares ou perguntando na bilheteira "Ainda tem bilhetes para hoje?". Mas as sessões fortes são as matinées, com várias excursões vindas dos cantos mais recônditos do país.
Há um público cada vez mais jovem para a revista à portuguesa e é esse público que tem que ser conquistado pelo espectáculo, que é o único 100% português, para que ele não morra. A par dos jovens, os mais velhos continuam a ter lugar cativo nas poltronas do Maria Vitória, numa tentativa de atirarem para trás das costas a idade e voltarem a reviver os tempos em que aplaudiam de pé e riam com nomes como Laura Alves, Beatriz Costa, Vasco Santana, António Silva ou Ivone Silva. Entram no Parque com passo vagaroso e olham em redor os escombros, relembrando as barracas de tirinhos e de farturas, as esplanadas cheias, as luzes dos muitos cartazes e os actores a circularem cada um para a entrada dos artistas do seu teatro, até passarem as portas da catedral da revista. Antes do pano subir, os mais velhos recordam, com nostalgia e um brilho no olhar, este ou aquele número que viram representado, pelas grandes vedetas, naquela sala há muitos anos enquanto os mais novos bebem as cores do Maria Vitória e fazem perguntas aos pais e aos avós.
A sinfonia de abertura, hoje sem a orquestra a tocar ao vivo, soa pela sala, mais ou menos composta, e o pano sobe... A partir daí são 3 horas de revista! No pequenino palco do Teatro Maria Vitória sobem à cena quadros que fazem um "flash" sobre o dia-a-dia. Há rábulas que fazem a vénia a Lisboa, outras que criticam o estado do país, o abandono dos idosos, e há ainda tempo de satirizar Tino de Rans ou Paulo Portas e de homenagear Frederico Valério e os fados, ingrediente essencial na revista, na voz de Vera Mónica. Mas o momento alto da noite é a entrada em cena de Carlos Cunha, o rei da revista, que o público trata de acariciar com aplausos, bravos e gargalhadas. A sua mestria faz esquecer as falhas que o trabalho que lhe distribuíram contém. São cerca de 40 anos de palco...
As gargalhadas e os aplausos ecoam pelo Teatro e no intervalo o público já tem o seu veredicto... As opiniões dividem-se e o público comenta entre si aquilo que viu no 1º acto, esta ou aquela falha, as piadas que se destacaram ou os actores que mais chamaram à atenção... Há quem considere uma boa revista outros são peremptórios em afirmar que o espectáculo fica aquém de outros que já passaram por aquele palco, apesar do esforço evidente da companhia, e saem desiludidos.
No final do 2º acto o público atravessa o Parque em direcção à Avenida... Alguns levam consigo um rasgado sorriso no rosto e algumas das canções na cabeça, saem felizes pela tarde ou noite revisteira, outros saem tristes ou desiludidos com o espectáculo e levam a saudade dos tempos em que as sessões eram duas por noite e três ao Domingo, os Teatros eram quatro e o público era muito mais do dobro. As excursões perfilam-se em direcção ao seu autocarro... Na próxima temporada voltarão... Sempre na esperança de encontrar um novo Parque e uma revista nova que seja não seja apenas mais uma revista...