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Teatral-Mente Opinando 12 | A boa Revista à Portuguesa continua à cunha, pelo país fora

Teatro Villaret. 10 de Agosto de 2014 (17h). Sala cheia.

É certo e sabido que não há género que mais atraia o público português do que a Revista à Portuguesa... É vulgar e repetitivo dizer isto. Mas convém acrescentar que o que atrai o público não é, por si só, a revista... É a qualidade do espectáculo e os nomes que abrilhantam o cartaz. Carlos Cunha tornou-se numa das grandes primeiras figuras do género, mercê do seu talento e da sua eterna jovialidade em palco, e é hoje uma espécie de íman para o público. Onde quer que ele esteja haverá sempre uma multidão para o ver e aplaudir. Uma multidão que se revê nas suas piadas e nos seus trejeitos e que espera sempre soltar uma sonora gargalhada com o actor. 
E a comprovar isso mesmo aí está a Revista à Cunha!, o novo espectáculo que o actor apresenta em digressão pelo país. Trata-se, pois, de uma revista popular, seguidora da linha tradicional do género, com a abertura, o quadro de rua, os momentos de fado, o quinteto final, enfim, todos os ingredientes que povoam o menú revisteiro, fabricados para caírem no goto do público. Não se impõe por nenhum prodígio de imaginação, é certo, mas o público tem nesta Revista à Cunha! um espectáculo alegre de cor, de movimento e de som.
Carlos Cunha é a grande vedeta do espectáculo, ocupando, justamente, o seu lugar de primeira figura de elenco. Ele é dos únicos nomes que conservam a técnica perfeita de um revisteiro, seguindo na linha dos grandes nomes do passado. Por muito que o texto não abone em seu favor - e sabemos que o actor se viu recentemente nessa situação, em outra produção - , ele sabe sempre dar a volta e levar o público às lágrimas... Seja a rir ou a chorar, porque o seu talento toca todos os géneros. Bucha aqui, bucha ali, careta aqui, mimica ali e o público é seu! Esquece-se logo que o texto é fraco. É o típico caso em que o génio criador do actor suplanta o génio criador do autor. Nesta Revista à Cunha!, o actor é brilhante na função de fazer gargalhar o público, em todos os seus momentos, evidenciando-se, principalmente, nesse festival do riso que é o número O Horácio Foi de Cana, uma rábula já experimentada e que é sinónimo de êxito. Uma vez mais, as suas buchas conseguem, por vezes, suplantar o texto original.
A seu lado surge, uma vez mais, a jovem e bonita Filipa Cardoso. Ela assume o lugar da vedeta feminina da revista e cumpre, sem mácula, a função. Sempre popular, castiça, simpática e com uma enorme alegria comunicativa, prende o público com a sua portentosa voz e com a sua graça e meninice. Tem a garra que se requer e o público reconhece-o, brindando-a com estrondosas ovações. Salta do palco para a plateia, com a sua "Mariposa", e da plateia para o palco, canta, dança, representa e o público pega-a ao colo, acarinhando a jovem actriz. A Abertura do espectáculo, a seu cargo nos momentos musicais, é eficaz e dispõe bem com a sua verve folclórica, mas o seu momento alto é no número Janela de Lisboa, onde leva o público a cantar consigo. Ela é, sem dúvida, uma candidata a nova vedeta de revista, com todo o seu enorme potencial. Assim o público a saiba acolher e abraçar.
Érika Mota é a grande revelação do espectáculo e uma das actrizes que o público mais acarinha. À entrada para a sala é o seu nome aquele que mais anda pelo ar, a par do nome do pai. São inevitáveis as comparações à mãe, sobretudo pelas semelhanças físicas... Mas Érika Mota soube já conquistar o seu lugar no coração do público e no Teatro Português. Finalmente, podemos vê-la em números onde ela tão bem brilha. Já antes a tínhamos visto em revista, mas os autores é que pareciam ter-se esquecido dela... E neste novo espectáculo ela aí está a comprovar que filho de peixe sabe nadar. Que deleito é vê-la na sua primorosa "Vicência", uma mega-divertida bêbeda que vai ser realojada num apartamento de luxo, ou naquela hilariante velha que conversa com a sua amiga sobre maleitas... Que bom é ver uma jovem e brilhante actriz, finalmente, com o seu talento aproveitado! O público acolheu-a com todo o carinho! 
E que assim o saiba fazer daqui em diante, porque temos a certeza que Érika Mota é actriz para continuar sempre a crescer e a servir o teatro.
No elenco figuram ainda os nomes da jovem e talentosa Sara Brás, divertida, bonita, com uma acentuada veia cómica e a saber criar diversos "bonecos", tão do agrado do público, e de João Duarte e Bruno Pópulo, dois compéres e criadores de "tipos" hilariantes que dão provas do seu talento e que dão a certeza de que em futuras produção são talentos a aproveitar e que irão, certamente, continuar a crescer.
De realçar ainda o jovem Corpo de Baile, que se exibe sem exuberâncias desnecessárias mas com profissionalismo e cumprindo bem a sua função, com graciosidade e frescura, dirigidos por Marco de Camillis com um trabalho que satisfaz bastante. Afinal de contas, revista sem bailarinas e bailarinos será outra qualquer coisa, que não revista.
As rábulas escolhidas, salvo raras excepções, são já textos experimentados, fruto da caneta de Flávio Gil, Francisco Nicholson e Mário Rainho e musicados por Carlos Dionísio, e feitos para fazerem brilhar os actores. Cumprem bem a função de fazer rir, mas sem grandes alardes, até porque os momentos hilariantes são, na maior parte das vezes, provocados pelos actores e pelos seus improvisos e estão à margem dos autores.
Uma ou outra escolha menos feliz mas, no geral, os números dispõem bem e arrancam gargalhadas, divertido a plateia, sobressaindo a falta de um número de cariz dramático a cargo de Carlos Cunha.
Sendo um espectáculo montado com o propósito de andar em tournée é natural que não haja aquele luxo e aquela exuberância e faustuosidade que uma revista deve ter, mas mesmo assim a companhia encarregou-se de montar um espectáculo moderno, com brilho, muita cor e com bom gosto e, para tal, foi chamada a brilhante e maravilhosa Helena Reis, cujos cenários - projectados e eficazes - deslumbram e cujas escolhas de figurinos não ficam à margem do bom gosto, sobretudo nos dois finais.
Em suma, Revista à Cunha! é um espectáculo feliz, divertido, revisteiro, montado em boa altura e que merece as maiores ovações do público, sobretudo pelo fantástico elenco que dá ao público todo o seu talento e a sua garra, numa revista encenada pela maravilhosa e fantástica Marina Mota e por Carlos Cunha. Traz-nos, de novo, um Carlos Cunha em todos o seu esplendor e faz despontar novos e brilhantes nomes que irão singrar.
Portugal tem, portanto, um espectáculo para triunfar, que serve o Teatro, sem se servir dele, e que tem como premissa por o país a rir, condensando a gargalhada, o talento e o bom gosto em cerca de duas horas de boa revista à portuguesa. · Revista à Cunha > De Flávio Gil, Nicholson e Mário Rainho; enc. de Marina Mota e Carlos Cunha; direcção plástica de Helena Reis; coreografia de Marco de Camillis; direcção musical de Carlos Dionísio; produção Desafios na Ribalta; com Carlos Cunha, Filipa Cardoso, Érika Mota, Sara Brás, João Duarte e Bruno Pópulo. Digressão Nacional.