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Teatral-Mente Opinando 14 | La Féria põe Portugal à Gargalhada

Teatro Politeama. 3 de Setembro de 2014 (21h30). Sala cheia.

O novo êxito das Portas de Santo Antão, Portugal à Gargalhada, há dois meses a esgotar lotações, vai de vento em popa. La Féria mostra, mais uma vez, não abrir mão da qualidade que lhe tem sido inerente, e faz face à conjuntura actual, dando-nos duas horas e meia no seu Politeama, de uma explosão de luz e cor. Com uma equipa que torna reais os sonhos de muitos amantes do completíssimo género que é a Revista à Portuguesa, juntando Marina Mota, Maria João Abreu, José Raposo e Joaquim Monchique no leme do elenco, Portugal à Gargalhada veio para arrebatar plateias, noite após noite, com ovações de pé, de público de norte a sul do país.
La Féria apostou forte nas luzes e cor, trazendo à Revista a pujança que ela merece. Inova a tradição, compondo, a partir do “cardápio” tradicional do género, o que se pode chamar uma verdadeira Revista à La Féria.
Começa por trazer ao palco um pouco do ambiente que nos envolve antes do subir do pano. Com um La Féria interpretado por José Raposo, que, à semelhança do “original”, cumprimenta o seu público à entrada, onde vende os “pugramas”.
Após a abertura musicada, que apela justamente a que se encare a vida à gargalhada, segue-se Mamã, Quero Ser Artista, número de apresentação de Maria João Abreu, que, coberta em dourados para fazer jus à sua qualidade artística, nos conta “Como é que uma rapariga da Penha de França chega à Estrela, sem apanhar o eléctrico”, neste que é dos números com música mais “orelhuda” e coreografia mais elaborada do espectáculo.
Vêm depois as Chefes de Quadro. Patrícia Resende e Bruna Andrade são, respectivamente, a Troika e a Saída Limpa, e em tons de azul e vermelho abrem as portas a Quim Chique, o afamado estilista do Fogueteiro, que promete revolucionar o look de algumas das caras mais conhecidas do país. Aqui, fica o desejo de um texto um pouco mais elaborado, acrescido de um ritmo mais rápido e enérgico, não obstante das gargalhadas conseguidas com sucesso pelas inflexões características de Monchique.
Chega assim a vez de assistir à partida de Tordo. José Raposo traz-nos um momento em que a partida do cantor dá o mote para um número alusivo a Portugal e à emigração. É notória a intensidade do actor, que eleva no Politeama o espírito de Abril, levando toda a plateia a acompanhá-lo na Tourada que é a vida de um Português digno, trazendo o país no peito. E aqui dá-se uma inesperada mudança de rumo, para o Circo de Portugal, um número visualmente fascinante, e de uma beleza muito particular, mas que deixa uma ponta solta, na aparente falta de uma ligação ao contexto anterior.
E vem então Zé Portugal, onde Filipe de Albuquerque nos traz um número bem revisteiro, acompanhado pelas Chefes de Quadro, ao qual se segue um dos momentos mais aguardados deste primeiro acto: Viva Lisboa, o número de apresentação de Marina Mota, numa rábula recheada de ritmo, com um dos textos mais bem construídos de toda a Revista. Marina leva-nos assim pela manhã atribulada de uma mulher hilariantemente comum, desde a cama até ao trono de porcelana. Um dos números que mais prende o público, com a energia tão própria da actriz, é harmoniosamente conjugado com uma marcha, momento dedicado à capital, onde assim nos traz a sua voz, tão querida pelo público.
E eis que numa onda da Nazaré, chega Mácara, o surfista interpretado por Ricardo Soler, que se faz acompanhar por umas Nazarenas muito características, num número puramente cómico, em que as sete saias de Joaquim Monchique e José Raposo fazem as gargalhadas da plateia, e onde, com o Vira da Nazaré, e outras músicas tradicionais conjugadas com ritmos animados, o elenco levanta ainda mais os ânimos de uma sala já aquecida pelas palmas de um público bem alegre.
Paula Sá é, na abertura, adjectivada de electrizante, e é com o seu Sapateado que nos vem confirmar o elogio mais que justo. Num número repleto de ritmo e energia, mostra não só os seus dotes vocais, como a sua enorme habilidade para esta dança, que surpreende, num momento assoberbante, entre ela e o corpo de baile.
Seguem-se Maripepa e Paquito Caracol, onde a queridíssima dupla de Maria João Abreu e José Raposo delicia o público, numa bela “espanholada” bem regada a risos dos espectadores. Ambos têm aqui um momento brilhante, com a graça e talento de cada um conjugando-se de forma única, para outro dos momentos mais altos do espectáculo.
Entra então em cena a Rasca Diva, que nos é trazida por Marina Mota. Helena Roseta, António Costa, Totó Seguro e Maria de Belém, caricaturados com sucesso por Patrícia Resende, Filipe de Albuquerque, Paulo Miguel e Bruna Andrade, estão no S. Carlos, a assistir ao show de Isaura, a rasca diva do fado e da ópera, lembrando alguns trejeitos de Hermínia Silva, que se faz acompanhar por HH, trazido por Ricardo Soler, ambos dirigidos pela Maestrina Carneiro que é David Mesquita, num texto de uma criatividade brilhante, que aliada à enorme capacidade vocal dos actores, que faz ecoar aplausos por toda a sala.
A ela segue-se o fado, onde Marina Mota deslumbra com a qualidade que é seu cunho pessoal, levando o público a cantar consigo aquilo que “É o nosso fado”, num bonito momento.
Eis que então chegamos ao fim do primeiro acto. Numa apoteose em tons de rosa, com fantásticos figurinos de José Costa Reis, dos mais bonitos do espectáculo, Paula Sá e Ricardo Soler cantam-nos sobre o encanto do que é ser actor. E aqui surge um dos momentos mais surpreendentes: uma escadaria de espelhos, que abre de forma digna de um filme de ficção científica, deixa o público verdadeiramente de queixo caído. Uma apoteose de verdadeiro luxo deixa assim o público desejoso pela segunda parte, depois de um primeiro acto que passa num ápice, de tão envolvente que é.
E com a abertura do segundo acto, somos logo levados a sonhar, fascinados pelos néons das míticas salas das Portas de Santo Antão, aludindo ao encanto que ainda é visível por quem passa por esta rua, com um olhar sonhador.
Assim chega mais um dos momentos brilhantes da Revista, a Panteonite Nacional. Almeida Garrett, Sophia de Mello Breyner e Amália Rodrigues animam o Panteão, num verdadeiro pagode. Amália é um dos momentos mais altos de Monchique, maravilhando o público com a sua interpretação única. Mas Sophia não fica atrás, com a peculiar interpretação de Patrícia Resende, sem dúvida muito bem conseguida. Óscar Carmona, Vasco da Gama e Eusébio juntam-se depois a esta festa nacional. Filipe de Albuquerque traz-nos um Pantera Negra que é um sucesso, neste espectáculo dentro do próprio espectáculo.
E no bico de uma cegonha, chega O Bebé de Paris onde José Raposo parece ter encontrado a fórmula do riso instantâneo, com um “boneco” muito seu. No entanto, à passagem dos casais hétero, bi e gay, o texto volta a deixar o desejo de maior elaboração. Facto compensado pelos figurinos do corpo de baile, umas peculiares cegonhas concebidas por Costa Reis.
Chega a vez de irmos às Finanças, num número cómico de uma espectacular criatividade, com soberbas interpretações. Em cena, acompanhada pela Secuirtas, Bruna Andrade, e com a Funcionária, Patrícia Resende, para por o lugar na ordem, está Natacha Sóstrova, que é Maria João Abreu, uma massagista deveras interessante, a quem se segue Tisola, Marina Mota, uma divertida angolana com especial habilidade para dançar ao som dos Buraka Som Sistema, num momento hilariante. A próxima na fila é dona Deolinda, uma velhota muito caricata, numa interpretação única de Maria João Abreu, com um divertidíssimo momento musical. E chega depois a dona Dolores, trazida por Marina Mota, que faz chover gargalhadas num fantástico madeirense.
Maria João Abreu e Marina Mota trazem depois um bonito e bem animado momento a duas, que deixa o público embevecido, fazendo sentir o verdadeiro brilho da Revista, ali, ao vivo e a cores. A este momento que apetece congelar na memória, segue-se o Tango protagonizado por Paula Sá e Ricardo Soler, num número enérgico, novamente com o talentosíssimo corpo de baile.
E quando a fita métrica do riso já vai longa, chega-nos num fantástico e saltitante autocarro a Excursão de Legues, mais um momento alto desta festa que é a Revista de La Féria. Marina Mota é Albertina, a organizadora da excursão, José Raposo é Asdrúbal, o Presidente da Junta, Monchique é o Motorista, e Silvina é Maria João. No banco de trás vão ainda Solange, a pura e casta, que é Patrícia Resende, e Pedro, Filipe de Albuquerque. A ajudar à festa estão ainda Comadre Sanita, Bruna Andrade, e Xique, David Mesquita. E com este maravilhoso autocarro de sotaque algarvio, onde “Já ‘tá a barréca armada!”, vamos em direcção ao fim de um grande espectáculo.
Paula Sá e Ricardo Soler fazem de novo a ligação, para que surja a toda a largura uma magistral escadaria de espelhos e luzes, que é o caminho do Grand Final, onde a chuva de aplausos se torna torrencial, e bem merecida. Desfilam mais uma vez os figurinos, as estrelas descem, sobe o volume das palmas. O pano baixa numa ovação, e ficam os sorrisos de quem deixa o magnífico Politeama, estandarte máximo da qualidade do Teatro de Revista do momento, já com vontade de regressar, para ver mais uma vez este, que além de um espectáculo, é a construção de memórias com um sabor docemente único, que nos agita todos os sentidos.
A nível de conteúdo, sente-se a falta de um número dramático forte, e de um quarteto final que com certeza seria estrondoso. Porém, o elenco tem uma magia, que no fim de contas, aliada aos elementos que constroem o produto final, desde o talentosíssimo corpo de baile, à equipa técnica de grande calibre, fazem com que, no fim de contas, seja um espectáculo verdadeiramente digno do nome Espectáculo, e de um BRAVO gritado bem alto.
Em última análise, na equipa de La Féria, com certeza não existem vertigens, pois os voos que se fazem no Politeama, além de belos, são altíssimos na escala de qualidade do Teatro nacional. · Portugal à Gargalhada > Texto, concepção cenográfica, música e enc. de Filipe La Féria; figurinos e telões de José Costa Reis; coreografia de Marco Mercier; produção de Boca de Cena, Lda.; com Marina Mota, Maria João Abreu, José Raposo, Joaquim Monchique, Paula Sá, Patrícia Resende, Filipe de Albuquerque, Bruna Andrade, Ricardo Soler, Paulo Miguel e David Mesquita. Teatro Politeama; Rua das Portas de Santo Antão, 109, Lisboa; T.213 405 700. Qua-Sáb. às 21h30 e Sáb e Dom. às 17h. 10€ a 30€.