★★★★☆
Teatro Politeama. 3 de Setembro de 2014 (21h30). Sala cheia.
O novo êxito das Portas de Santo
Antão, Portugal à Gargalhada, há dois meses a esgotar lotações, vai de vento
em popa. La Féria mostra, mais uma vez, não abrir mão da qualidade que lhe tem
sido inerente, e faz face à conjuntura actual, dando-nos duas horas e meia no
seu Politeama, de uma explosão de luz e cor. Com uma equipa que torna reais os sonhos
de muitos amantes do completíssimo género que é a Revista à Portuguesa,
juntando Marina Mota, Maria João Abreu, José Raposo e Joaquim Monchique no leme
do elenco, Portugal à Gargalhada veio para arrebatar plateias, noite após
noite, com ovações de pé, de público de norte a sul do país.
La Féria apostou forte nas luzes
e cor, trazendo à Revista a pujança que ela merece. Inova a tradição, compondo,
a partir do “cardápio” tradicional do género, o que se pode chamar uma verdadeira
Revista à La Féria.
Começa por trazer ao palco um
pouco do ambiente que nos envolve antes do subir do pano. Com um La Féria
interpretado por José Raposo, que, à semelhança do “original”, cumprimenta o
seu público à entrada, onde vende os “pugramas”.
Após a abertura musicada, que
apela justamente a que se encare a vida à gargalhada, segue-se Mamã, Quero Ser
Artista, número de apresentação de Maria João Abreu, que, coberta em dourados para
fazer jus à sua qualidade artística, nos conta “Como é que uma rapariga da
Penha de França chega à Estrela, sem apanhar o eléctrico”, neste que é dos
números com música mais “orelhuda” e coreografia mais elaborada do espectáculo.
Vêm depois as Chefes de Quadro.
Patrícia Resende e Bruna Andrade são, respectivamente, a Troika e a Saída Limpa,
e em tons de azul e vermelho abrem as portas a Quim Chique, o afamado
estilista do Fogueteiro, que promete revolucionar o look de algumas das caras
mais conhecidas do país. Aqui, fica o desejo de um texto um pouco mais
elaborado, acrescido de um ritmo mais rápido e enérgico, não obstante das
gargalhadas conseguidas com sucesso pelas inflexões características de
Monchique.
Chega assim a vez de assistir à
partida de Tordo. José Raposo traz-nos um momento em que a partida do cantor
dá o mote para um número alusivo a Portugal e à emigração. É notória a intensidade
do actor, que eleva no Politeama o espírito de Abril, levando toda a plateia a
acompanhá-lo na Tourada que é a vida de um Português digno, trazendo o país no
peito. E aqui dá-se uma inesperada mudança de rumo, para o Circo de Portugal,
um número visualmente fascinante, e de uma beleza muito particular, mas que
deixa uma ponta solta, na aparente falta de uma ligação ao contexto anterior.
E vem então Zé Portugal, onde
Filipe de Albuquerque nos traz um número bem revisteiro, acompanhado pelas
Chefes de Quadro, ao qual se segue um dos momentos mais aguardados deste primeiro
acto: Viva Lisboa, o número de apresentação de Marina Mota, numa rábula
recheada de ritmo, com um dos textos mais bem construídos de toda a Revista.
Marina leva-nos assim pela manhã atribulada de uma mulher hilariantemente comum,
desde a cama até ao trono de porcelana. Um dos números que mais prende o
público, com a energia tão própria da actriz, é harmoniosamente conjugado com
uma marcha, momento dedicado à capital, onde assim nos traz a sua voz, tão
querida pelo público.
E eis que numa onda da Nazaré, chega
Mácara, o surfista interpretado por Ricardo Soler, que se faz acompanhar por
umas Nazarenas muito características, num número puramente cómico, em que as
sete saias de Joaquim Monchique e José Raposo fazem as gargalhadas da plateia,
e onde, com o Vira da Nazaré, e outras músicas tradicionais conjugadas com
ritmos animados, o elenco levanta ainda mais os ânimos de uma sala já aquecida
pelas palmas de um público bem alegre.
Paula Sá é, na abertura,
adjectivada de electrizante, e é com o seu Sapateado que nos vem confirmar o
elogio mais que justo. Num número repleto de ritmo e energia, mostra não só os
seus dotes vocais, como a sua enorme habilidade para esta dança, que
surpreende, num momento assoberbante, entre ela e o corpo de baile.
Seguem-se Maripepa e Paquito
Caracol, onde a queridíssima dupla de Maria João Abreu e José Raposo delicia o
público, numa bela “espanholada” bem regada a risos dos espectadores. Ambos têm
aqui um momento brilhante, com a graça e talento de cada um conjugando-se de
forma única, para outro dos momentos mais altos do espectáculo.
Entra então em cena a Rasca Diva,
que nos é trazida por Marina Mota. Helena Roseta, António Costa, Totó Seguro e
Maria de Belém, caricaturados com sucesso por Patrícia Resende, Filipe de
Albuquerque, Paulo Miguel e Bruna Andrade, estão no S. Carlos, a assistir ao
show de Isaura, a rasca diva do fado e da ópera, lembrando alguns trejeitos de
Hermínia Silva, que se faz acompanhar por HH, trazido por Ricardo Soler, ambos
dirigidos pela Maestrina Carneiro que é David Mesquita, num texto de uma
criatividade brilhante, que aliada à enorme capacidade vocal dos actores, que
faz ecoar aplausos por toda a sala.
A ela segue-se o fado, onde
Marina Mota deslumbra com a qualidade que é seu cunho pessoal, levando o
público a cantar consigo aquilo que “É o nosso fado”, num bonito momento.
Eis que então chegamos ao fim do
primeiro acto. Numa apoteose em tons de rosa, com fantásticos figurinos de José
Costa Reis, dos mais bonitos do espectáculo, Paula Sá e Ricardo Soler
cantam-nos sobre o encanto do que é ser actor. E aqui surge um dos momentos mais
surpreendentes: uma escadaria de espelhos, que abre de forma digna de um filme
de ficção científica, deixa o público verdadeiramente de queixo caído. Uma
apoteose de verdadeiro luxo deixa assim o público desejoso pela segunda parte,
depois de um primeiro acto que passa num ápice, de tão envolvente que é.
E com a abertura do segundo acto,
somos logo levados a sonhar, fascinados pelos néons das míticas salas das Portas
de Santo Antão, aludindo ao encanto que ainda é visível por quem passa por
esta rua, com um olhar sonhador.
Assim chega mais um dos momentos
brilhantes da Revista, a Panteonite Nacional. Almeida Garrett, Sophia de
Mello Breyner e Amália Rodrigues animam o Panteão, num verdadeiro pagode.
Amália é um dos momentos mais altos de Monchique, maravilhando o público com a
sua interpretação única. Mas Sophia não fica atrás, com a peculiar
interpretação de Patrícia Resende, sem dúvida muito bem conseguida. Óscar
Carmona, Vasco da Gama e Eusébio juntam-se depois a esta festa nacional. Filipe
de Albuquerque traz-nos um Pantera Negra que é um sucesso, neste espectáculo
dentro do próprio espectáculo.
E no bico de uma cegonha, chega O
Bebé de Paris onde José Raposo parece ter encontrado a fórmula do riso
instantâneo, com um “boneco” muito seu. No entanto, à passagem dos casais hétero,
bi e gay, o texto volta a deixar o desejo de maior elaboração. Facto compensado
pelos figurinos do corpo de baile, umas peculiares cegonhas concebidas por
Costa Reis.
Chega a vez de irmos às Finanças, num número cómico de uma espectacular criatividade, com soberbas interpretações.
Em cena, acompanhada pela Secuirtas, Bruna Andrade, e com a Funcionária,
Patrícia Resende, para por o lugar na ordem, está Natacha Sóstrova, que é Maria
João Abreu, uma massagista deveras interessante, a quem se segue Tisola, Marina
Mota, uma divertida angolana com especial habilidade para dançar ao som dos
Buraka Som Sistema, num momento hilariante. A próxima na fila é dona Deolinda,
uma velhota muito caricata, numa interpretação única de Maria João Abreu, com
um divertidíssimo momento musical. E chega depois a dona Dolores, trazida por
Marina Mota, que faz chover gargalhadas num fantástico madeirense.
Maria João Abreu e Marina Mota
trazem depois um bonito e bem animado momento a duas, que deixa o público
embevecido, fazendo sentir o verdadeiro brilho da Revista, ali, ao vivo e a
cores. A este momento que apetece congelar na memória, segue-se o Tango protagonizado por Paula Sá e Ricardo Soler, num número enérgico, novamente com
o talentosíssimo corpo de baile.
E quando a fita métrica do riso
já vai longa, chega-nos num fantástico e saltitante autocarro a Excursão de Legues,
mais um momento alto desta festa que é a Revista de La Féria. Marina Mota é
Albertina, a organizadora da excursão, José Raposo é Asdrúbal, o Presidente da
Junta, Monchique é o Motorista, e Silvina é Maria João. No banco de trás vão
ainda Solange, a pura e casta, que é Patrícia Resende, e Pedro, Filipe de
Albuquerque. A ajudar à festa estão ainda Comadre Sanita, Bruna Andrade, e
Xique, David Mesquita. E com este maravilhoso autocarro de sotaque algarvio,
onde “Já ‘tá a barréca armada!”, vamos em direcção ao fim de um grande
espectáculo.
Paula Sá e Ricardo Soler fazem de
novo a ligação, para que surja a toda a largura uma magistral escadaria de
espelhos e luzes, que é o caminho do Grand Final, onde a chuva de aplausos se
torna torrencial, e bem merecida. Desfilam mais uma vez os figurinos, as
estrelas descem, sobe o volume das palmas. O pano baixa numa ovação, e ficam os
sorrisos de quem deixa o magnífico Politeama, estandarte máximo da qualidade do
Teatro de Revista do momento, já com vontade de regressar, para ver mais uma
vez este, que além de um espectáculo, é a construção de memórias com um sabor
docemente único, que nos agita todos os sentidos.
A nível de conteúdo, sente-se a
falta de um número dramático forte, e de um quarteto final que com certeza
seria estrondoso. Porém, o elenco tem uma magia, que no fim de contas, aliada
aos elementos que constroem o produto final, desde o talentosíssimo corpo de
baile, à equipa técnica de grande calibre, fazem com que, no fim de contas,
seja um espectáculo verdadeiramente digno do nome Espectáculo, e de um BRAVO gritado
bem alto.
Em última análise, na equipa de
La Féria, com certeza não existem vertigens, pois os voos que se fazem no
Politeama, além de belos, são altíssimos na escala de qualidade do Teatro
nacional. · Portugal à Gargalhada > Texto, concepção cenográfica, música e enc. de Filipe La Féria; figurinos e telões de José Costa Reis; coreografia de Marco Mercier; produção de Boca de Cena, Lda.; com Marina Mota, Maria João Abreu, José Raposo, Joaquim Monchique, Paula Sá, Patrícia Resende, Filipe de Albuquerque, Bruna Andrade, Ricardo Soler, Paulo Miguel e David Mesquita. Teatro Politeama; Rua das Portas de Santo Antão, 109, Lisboa; T.213 405 700. Qua-Sáb. às 21h30 e Sáb e Dom. às 17h. 10€ a 30€.




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