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Teatral-Mente Opinando 15 | O essencial é invisível aos olhos

Teatro Politeama. 27 de Novembro de 2014 (14h00). Sala cheia.

Antes de mais nada, devemos explicar o porquê da demora na redacção deste artigo... a nossa ida ao Teatro Politeama foi já no dia 27 de Novembro, e apenas hoje conseguimos redigi-lo. Pois, o motivo não podia ser melhor: há qualquer coisa de mágico nesta peça, que a torna muito diferente de uma ida comum ao teatro, e que nos levou tempo a digerir e a colocar em palavras.
É que O Principezinho está longe de ser apenas mais uma peça, mais um musical infantil na lista de êxitos de Filipe La Féria. Quem julga que é uma peça apenas para crianças, desengane-se. A chave está mesmo aí. Fazendo jus à própria moral da história, ao assistir ao espectáculo, depressa somos lembrados que a criança dentro de nós ainda existe, basta que a deixemos viver - e é mesmo isso que este espectáculo nos provoca. Arranca-nos do nosso dia-a-dia enraizado, e reaviva-nos a criança interior - e que bem que sabe!
A magia começa ainda antes do subir do pano. Chegando às Portas de Santo Antão, não há tristezas que resistam a uma enchente de crianças animadas, na expectativa de assistir a este clássico que La Féria em boa hora voltou a levar a cena. E só pela sensação de saber que talvez o "bichinho do palco" para muitos comece ali, com aquele encanto que vamos partilhar, já faz a viagem valer a pena, mas o melhor está para vir.
É com entusiasmo que partimos em viagem rumo ao Asteróide B612, onde mora o Principezinho e a sua flor. O ambiente de cena não demora a contagiar-nos, e entre canções divertidas e atractivas, e um texto simples, mas com muito a ensinar, depressa somos transportados para o mundo do faz-de-conta, e, quase sem darmos por isso, a nossa criança interior começa logo a despertar.
Como é já habitual quando se fala de Filipe La Féria, tudo está pensado ao detalhe, para que seja o mais natural possível, sem perder a fantasia. Sendo o público infantil o mais honesto, não se pouparam esforços para surpreender e fascinar, dos mais pequenos aos graúdos.
Da roupa aos cabelos, e da música a toda a construção cénica, O Principezinho faz-nos sentir num verdadeiro mundo de encantos.
Ao todo são sete os fantásticos que se revezam para vestir a pele do Principezinho. Desta feita, foi Rui Pereira quem fez sonhar uma plateia esgotada, a par de toda a equipa. A apreciação às interpretações é francamente positiva. Neste clássico de Saint-Exupéry, todas as personagens têm algo a ensinar, e uma mensagem a transmitir, E todos eles o fizeram, sob a direcção atenta de La Féria, com uma enorme eficácia. A maior prova que podemos ter disso são os comentários dos mais pequenos, que se iam ouvindo em surdina.
O Aviador, representando o futuro e o crescimento, acaba por ser o fio condutor de toda a peça, e é a ele a quem o pequeno Principezinho lembra que nunca deve deixar de sonhar. Este papel desempenhado por Bruno Xavier acaba por ser o protótipo de nós, espectadores mais velhos, que de repente somos lembrados que, afinal, ainda temos algures uma criança.
Não tardaram a sentir-se naquela sala os sonhos de todos os meninos, que queriam ser como o Principezinho, e as meninas ficavam encantadas com a Flor, uma belíssima interpretação de Sara Cabeleira, com uma das caracterizações mais bonitas da peça, e um fantástico penteado à responsabilidade de Carlos Feio.
Seguidamente somos levados com o Principezinho numa grande viagem por vários planetas... O primeiro planeta a ser visitado é habitado por um rei que apenas sabe mandar, uma interpretação totalmente conseguida de Tiago Isidro. Somos posteriormente transportados até um novo asteróide, onde se encontra um Vaidoso, que, deparando-se com a visita do Principezinho, fica feliz por ter mais alguém para o admirar e aplaudir... Paulo Miguel interpreta com distinção a personagem de que foi encarregue, protagonizando um dos mais enérgicos e conseguidos momentos musicais de todo o espectáculo. Segue-se aquela que foi, talvez, a personagem que mais empolgou toda a jovem plateia, num divertido momento a cargo de Sérgio Lucas, actor e cantor que se tem vindo a afirmar cada vez mais como um dos grandes valores dos nossos palcos. O Bêbado, que bebe para esquecer a vergonha que é beber, consegue cativar toda a plateia, que aplaude e opina.
Depois de abandonar o asteróide do bêbado, o Principezinho leva-nos consigo até um novo planeta onde descobre um Homem de Negócios, atarefado até mais não, que se preocupa somente com as suas posses, numa nova prestação de Tiago Isidro, que, uma vez mais, nos presenteia com o seu talento.
É chegada a hora de viajar até ao quinto asteróide, habitado por um Acendedor de Candeeiros, muito ao jeito de Charlot, numa incrível interpretação, uma vez mais, do igualmente incrível Sérgio Lucas. Será esta a única personagem que poderia, realmente, ser amiga do Principezinho e a única cuja função/profissão tinha algum sentido e utilidade.
Num extraordinário vídeo, somos levados até à presença de um Geógrafo, numa nova interpretação de Paulo Miguel, que alerta o Principezinho para o facto de a sua amada flor ser efémera e poder desaparecer de um momento para o outro, aconselhando ainda a criança a visitar o Planeta Terra.
E dá-se então o encontro com a Serpente, uma brilhante interpretação de Bruna Andrade, com um figurino de enorme criatividade, e uma caracterização espantosa. A serpente surge como representação da morte, sendo a personagem mais sincera, sendo que disse sempre a verdade: que, só com um toque, devolveria o Principezinho à sua terra. É imediatamente notória a eficácia da actriz, que tem com esta interpretação um enorme efeito nas crianças, pela sua grande expressividade.
Seguidamente vem a cena a personagem que faz as delícias dos mais pequenos: a Raposa. Numa enérgica e bem-disposta interpretação de David Mesquita, a Raposa funciona quase como que a consciência do Principezinho, transmitindo-lhe o valor da amizade, e dos laços de união. E é quem vem, no meio da sua alegria, ensinar o mais importante. Que "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.", e que somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos.
Por último aparece a Vendedora de Comprimidos, interpretação de sucesso por Sofia Cruz, que representa a falsidade, pois vende mentiras e ilusões, em forma de comprimidos. E alicia o Principezinho para comprar um comprimido com o qual não precisará de água, contudo, ele não cai na artimanha, e segue viagem, com o Aviador.
Estão assim apresentadas todas as personagens deste clássico da literatura tornado num musical de sucesso, no Teatro Politeama. E a nossa opinião não podia ser melhor. É um espectáculo maravilhoso, que nos enche a alma, e nos lembra que a felicidade está, de facto, nas pequenas coisas.
Terminamos esclarecendo que as seis estrelas dadas a O Principezinho não são lapso, nem acaso. São seis estrelas, porque esta peça transcende os critérios, pela sua pureza. A objectividade não chega. Vendo com os olhos do coração, O Principezinho, mais que outro musical, é um espectáculo de magia. Magia verdadeira, sem truques, a magia das emoções. · O Principezinho > Texto a partir da obra de Antoine de Saint-Exupéry. Enc., cenografia e figurinos de Filipe La Féria; produção do Teatro Politeama. Teatro Politeama, Rua das Portas de Sto. Antão, 109, Lisboa; T.213 405 700. Ter - Sex às 11h e às 14h para escolas, aos Sábados, Domingos e Feriados às 15h para o público em geral.