Para comemorar os seus 50 anos de actividade, o Teatro Experimental de Cascais preparou, em boa hora, a peça Peer Gynt, o clássico poema dramático da autoria do norueguês Ibsen. Intenso e complexo, este é um texto incapaz de deixar, seja quem for, indiferente, que possui um incrível paralelismo entre o tempo da acção e os dias em que vivemos, numa pungente crítica político-social. Em quase quatro horas, que se poderiam revelar bastante longas mas que, ao invés disso, passam a voar, somos levados em viagem com Peer, acompanhando as suas aventuras, venturas e desventuras.

Maria Vieira surge-nos dando corpo e (muita) alma à mãe do protagonista, quiçá na mais surpreendente figura da sua vasta galeria de personagens. A sua Aase é uma lição de representar, avassala a plateia desde a sua entrada e até ao culminar do 1º Acto, onde a sua morte deixa o público rendido à sua força dramática, emocionante e arrepiante. O seu trabalho é um modelo de composição, cuidada até aos últimos e mais pequenos detalhes, servindo de forma magistral a personagem a que Ibsen deu voz. Que apaixonante é aquela mulher que a vida tanto calejou, frágil aparentemente, uma rocha na sua perseverança e força. Esse misto de fragilidade e fortaleza transmite-nos uma ternura e admiração enorme por alguém que tanto sofreu e que ama incondicionalmente o seu filho, com tudo o que isso implica (carinho e reprimenda), e engrossa a desmedida admiração e carinho pela maravilhosa senhora actriz que é a querida Parrachita, como todo o público a conhece.

Um elogioso sublinhado para o excelente trabalho de Miguel Graça, que, cuidadosamente, assina a versão e dramaturgia do texto, trabalho que se poderia ter revelado ingrato, dado o calibre do clássico, mas que foi cumprido com distinção. Não se acredita que seja possível um único espectador não levar consigo uma mensagem, uma frase, um motivo de reflexão, porque, na verdade, a viagem de Gynt poderá bem surgir como metáfora à vida de qualquer espectador, com todos os seus altos e baixos, batalhas, vitórias e derrotas e a busca constante pelo “Quem sou eu?” transpostas para uma criação de enorme riqueza.

Por último, a merecida ovação à fascinantemente brilhante encenação do Mestre Carlos Avilez, possivelmente o mais extraordinário dos encenadores portugueses da actualidade. Pouco há para dizer da já conhecida e reconhecida genialidade de um homem que sabe colocar cada actor dentro da sua personagem, mas de forma a que nela habite… Não forçando esse “conhecimento mútuo”, mas apresentando “actor-personagem”, e vice-versa, e explicando-os. Que bom e que orgulho é ter em Portugal um encenador tão grandioso como Mestre Avilez! Também a ele, o nosso maior aplauso.
Em suma, Peer Gynt é um extraordinário momento onde a arte de representar é a grande protagonista, fruto do amor de uma companhia que merece uma gloriosa ovação pelo seu meio século a lutar pelo bom Teatro Português e onde, ao mesmo tempo, está bem patente a competência do trabalho desenvolvido pela Escola Profissional de Teatro de Cascais na tarefa de bem ensinar a subir ao palco e a dar corpo e alma a uma personagem! Que o público seja merecedor desta companhia e dos jovens actores que emprestaram toda a sua arte, talento e trabalho a este projecto.
