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Teatral-Mente Opinando 24 | Casamentos em fanicos, inteligência e muito talento para arrancar gargalhadas

Teatro Tivoli BBVA. 23 de Setembro de 2015 (21h30). Sala cheia.

O Tivoli tem de novo no seu cartaz uma comédia da autoria do conceituadíssimo Neil Simon, após Os Reis da Comédia, em 2013. Mas não é esta uma comédia qualquer, não se pense. Para além de ser uma alta comédia, é um espectáculo especial por vários motivos. Plaza Suite prima por ter um texto profundamente hilariante – ou não fosse ele original de quem é, o que, por si só, é garantia de uma generosa dose de boa disposição e admirável humor com uma comédia que não se limita a ser ligeira e a arrancar sorrisos, mas vai mais longe ao ser uma conjugação do ligeiro com o inteligente e onde o vulgar, a partir de uma enorme perícia, se torna hilariante sem cair no domínio da “ordinarice” - , onde a inteligência nos recursos - tão deliciosamente simples que se tornam incrivelmente risíveis - nos prende do primeiro ao último minuto numa avalanche de sonoras gargalhadas, neste caso, proporcionadas por dois dos melhores actores da nossa praça.
Mas, diga-se em abono da verdade, o atractivo maior da peça é o regresso de Alexandra Lencastre aos palcos, aguardado com crescente expectativa pelo público que tem nela uma das suas actrizes de eleição e que sempre faz questão de a presentear com calorosas, sinceras e carinhosas ovações que premeiam o seu incrível talento. Não é novidade se dissermos que Alexandra é uma das mais populares actrizes de todos os tempos, dona de uma fascinante aura de “Diva” que a envolve, admirada por multidões e camaleónica como há poucas. Para além de todos esses atributos, é ainda um inteligentíssimo animal de palco, que sabe dominar a cena e enfeitiçar o público que se fixa na sua imponente presença, apesar da insegurança que constantemente afirma fazer parte da sua rotina. A comemorar os 30 anos de carreira, Alexandra é, sem dúvida, nome maior nos cartazes nacionais e o único lamento possível quando se associa o seu nome à Arte de Talma é apenas não fazer mais aparições nos palcos. Nesta peça, multiplica-se em duas personagens completamente distintas, uma desastrada e desleixada, afectada pelo passar dos anos, e a segunda, mais popular e característica.
Diogo Infante é um dos mais admiráveis actores que pisam (e dominam) os nossos tablados. É admirável e fascinante o seu talento, a sua presença, a sua perícia, a capacidade de se desdobrar em mil e um registos, sempre com mestria e nota máxima, e, ainda por cima, compor figuras completamente avassaladoras em graça e engenho. Infante é o típico artista que é fascinante ver em palco, pela força que imprime em tudo o que faz e pela presença vincada pelo seu talento, entrega e paixão ao Teatro, e que deixa no espectador a sensação de “Que privilégio poder aplaudi-lo!”. Nesta peça, em concreto, desdobra-se em duas figuras completamente distintas, com especial destaque para o Pai da Noiva, no Segundo Acto, num boneco perfeito a todos os níveis e que centra em si toda a acção, inundando a sala de risos. A completar o elenco encontramos dois nomes já bem conhecidos dos portugueses: Helena Costa e Ricardo Sá, jovens que, não tendo personagens que marquem a cena quanto baste, demonstram o seu talento nos desafios que lhes couberam, embora modestamente, por ser um texto feito para brilharem dois actores e onde as figuras dos mais jovens apenas servem de suporte (imprescindível, claro) à acção que envolve os dois casais centrais. Claramente merecedores de aplausos e apreço e, em futuras produções, um melhor aproveitamento das suas faculdades.
Na versão portuguesa de Plaza Suite, transportou-se um hotel em fase decadente para o centro de Lisboa – com direito, até, a vista para o El Corte Inglés - e “aportuguesaram-se” costumes e expressões – numa aplaudível e fascinantemente inteligente tradução e adaptação de Luísa Costa Gomes, nome que é certeza de carimbo de qualidade em qualquer comédia que conte com a sua acutilante genialidade criativa - para que haja uma maior identificação do público com as situações levadas a cena, onde se alfinetam casamentos… O primeiro, esfrangalhado pelo implacável passar dos anos, à beira da ruptura e a tentar ser salvo a todo o custo, porque, apesar do desgaste, ainda há amor; o segundo, a um passo de não chegar sequer a concretizar-se, apesar do esforço de dois pais que, entre hilariantes peripécias, se esfolam para tirar a filha da casa de banho onde se trancou a minutos de trocar alianças. O texto aproveita para assentar temas actuais e diversos (tais como a ditadura da imagem, dietas, traições, a acumulação de trabalho e o tempo excessivo que o mesmo rouba à vida de casal, o galopar dos anos e as fatigantes rotinas que se estabelecem, entre muitos outros) no tema principal: o matrimónio.
É, pois, a comédia perfeita para todos aqueles que tenham por resolver alguma quezília com o género. Nada há a apontar, apenas a louvar, sobretudo a coragem na escolha de um texto distante da baixa comédia, que já cansa pelos recursos gastos e de fruto fácil por caminhos óbvios. Não se acredita que os efeitos destas duas horas de bom Teatro não se manifestem através de muitos risos, sorrisos e comentários ao reconhecer peripécias que nos fazem mergulhar em situações idênticas dos nossos dias – olhando-as em tom bem mas jocoso – e rir, mas rir com vontade e, afinal de contas, rir de nós mesmos.
A encenação de Adriano Luz é pródiga de inteligência e subtileza e utiliza os melhores recursos para fazer brilhar não só os actores, como o texto, também ele protagonista da acção e nunca mero elemento servil. Um destaque muito especial para o admirável engenho com que é efectuada a mudança de adereços de cena do Primeiro Acto para o Segundo, durante o intervalo, e que deixa o público colado ao palco. Assim, sim, é justo afirmar que a encenação se colocou à disposição do espectáculo no seu todo e tirou dele tudo o que há de melhor para oferecer ao público, merecendo rasgado elogio e sincera ovação.
Uma palavra de louvor ao cenário de Fernando Ribeiro que, não sendo de extraordinária envergadura, dá brilho à cena, aproxima o público da acção, cumpre a sua função, tem toques de bom gosto e remete-nos, perfeitamente, para uma suite de hotel que já foi luxuoso mas entrou em fase descendente. Em suma, é mais uma criação que merece ser vista, tal como o cenógrafo já nos habituou. Os figurinos de Isabel Carmona, sem fausto que estaria perfeitamente desfasado do contexto, pontuam a cena e ajudam a construir cada boneco, de forma sóbria ou espampanante (porque também a há e o espectador irá compreender) e são outro dos ingredientes a favor do sucesso do produto final. E que saboroso e admirável é o produto final! Está de parabéns a produtora Força de Produção por apostar, finalmente, neste texto e por trazer até aos nossos palcos uma comédia tão deliciosamente inteligente e ligeira ao mesmo tempo, o estilo de teatro que deleita os espectadores e devolve a magia que anda tão falha nas nossas tábuas. Um prolongado aplauso de pé e um estrondoso bravo a toda esta equipa que, claramente, trabalha com muito amor à Arte de Talma e apostou em dignificar e honrar esse mágico mundo, cumprindo com distinção a tarefa a que se propuseram. 
O público acorre em massa e aí está a prova de que respeito pela entidade, a qualidade e uma pitada desmedida de alguma loucura podem ser o suficiente para encher uma sala de público, mas, sobretudo, de boa disposição, que tão necessária é nos dias que correm. A estrondosa ovação de pé e a chuva de “Bravos!” no final são inevitáveis e afagam os actores, como recompensa de duas horas de felicidade e abstracção que, decerto, irá fazer companhia para lá da porta do Teatro, ao relembrar situações em que nos identificámos. O bom Teatro tem, ainda, esse poder de colocar “o dedo na ferida” e provocar-nos sem dispensar o polvilhado de  magia e sonho tão característicos e que nos deixam um sorriso na boca, nos olhos e, sobretudo, na alma. · Plaza Suite > De Neil Simon; enc. de Adriano Luz; figurinos de Isabel Carmona; cenografia de Fernando Ribeiro; tradução e adaptação de Luísa Costa Gomes, produção de Força de Produção; com Alexandra Lencastre, Diogo Infante, Helena Costa e Ricardo Sá. Teatro Tivoli BBVA; Avenida da Liberdade, 182A, Lisboa; T.1820. Qui-Sáb. às 21h30 e Dom. às 17h. 12€ a 18€.

Fotos: RTP, Canela e Hortelã e Força de Produção