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Teatral-Mente Opinando 20 | Um boeing cheio de gargalhadas


Teatro Villaret. 11 de Abril de 2015 (21h30). Sala cheia.

Já foi representada um pouco por todo o mundo e, em Portugal, fez cartaz no Teatro Variedades, no Parque Mayer, durante alguns meses, corriam os idos anos 80… Quase 30 anos depois, a Yellow Star Company, produtora responsável por alguns dos últimos grandes êxitos que o nosso teatro conheceu, pegou no texto francês que se rotula como o mais representado em todo o mundo, segundo o Livro do Guinness World Records. Boeing Boeing estreou em 2014 no Teatro da Trindade e perfila-se já como um dos maiores êxitos do Teatro Português, com incontáveis lotações esgotadas em várias temporadas em Lisboa, Porto e um pouco por todo o país, numa tournée que já chegou à Madeira.
O texto, da autoria do francês Marc Camoletti, traduzido para a língua de Camões por Marc Xavier e adaptado por Paulo Sousa Costa, não traz nada de novo, não prima por particular inteligência nem obriga a pensar muito, não sendo possível pontar particulares destaques ou momentos que se imponham por alguma novidade no seu conteúdo. Trata-se, pois, de um texto light, escrito com o único intuito de divertir. E diga-se que a função de arrancar risos ao longo de cerca de uma hora e vinte minutos é cumprida sem mácula nesta comédia de portas, onde os enganos se sucedem numa avalanche de peripécias caricatas e de enganos que envolvem o público nessa hilariante azáfama que se vive em palco e dá azo a uma avalanche de gargalhadas, que, em abono da verdade, muito se deve, também, aos bonecos criados pelos actores.
Luís Esparteiro veste a pele do protagonista, compondo a figura com a mestria que está há muito associada ao seu nome. Apesar de protagonizar o espectáculo, a figura que veste não é das mais abonadas pelo texto na matéria de fazer rir, talvez por não haver essa tal particular genialidade no texto. Mesmo assim, impõe-se e é digna de aplausos e elogios, como não poderia deixar de ser.
Sofia Ribeiro estreia-se em teatro e supera a prova com distinção e nota máxima! 
Alegre-se o público português por ter mais uma brilhante actriz a pisar os seus palcos, a comungar emoções com o público e a mostrar, sob a luz dos projectores, todo o seu conhecido e astronómico talento, que a fazem metamorfosear-se nas mais diversas figuras e que, aqui, a levaram ao encontro da brasileira Janete, que ela interpreta com delicioso sotaque brasileiro, numa figura altiva, cheia de raça e genica, responsável por incontáveis momentos de riso ao longo do espectáculo.
Estreia abençoada e auspiciosa que, esperemos, seja mote para muitos outros projectos nas tábuas, como o público mostra ser seu desejo, a julgar pelo carinho e aplausos, mais que justos, que dispensa à jovem, bela e talentosa actriz.
Melânia Gomes há muito que deixou de ser revelação ou surpresa e acrescenta um importante passo à sua brilhante e ascendente carreira de grande actriz, que a levou já a ocupar primeiros lugares nos cartazes e a conquistar a admiração, o aplauso e o afecto das plateias.
Dona de um raro magnetismo e de uma forte presença, que logo se impõe na sua entrada em palco, Melânia é pródiga - talvez por ter o valioso “mestrado” em Teatro de Revista – a transfigurar-se nas mais díspares figuras, onde põe todas as suas desmedidas faculdades ao serviço da personagem, fornecendo-lhe andar, roupagem, sotaque e alma.
Neste Boeing Boeing coube-lhe a italiana Julietta, que, não fora a sua mestria, seria a menos notada das três hospedeiras que protagonizam a peça.
O texto que compete à personagem não tem particular relevância, mas a sua composição – com um delicioso sotaque italiano -, raça e magnetismo colocam-na “ao colo do público” e arrancam incontáveis gargalhadas. Uma vez mais, a provar que é um dos nomes maiores da nossa plêiade de Actores (com A maiúsculo).
Mas é inegável que, em palco, a personagem responsável pelos maiores aplausos e vendavais de gargalhadas é Judite, a alemã que ficou aos cuidados do talento de Bárbara Norton de Matos. Apesar de a actriz ter entrado no elenco em substituição de Patrícia Tavares, rapidamente apanhou o “boneco” e serviu-o com todas as suas inquestionáveis faculdades, há muitos conhecidas por todo o público. A histriónica Judite é a figura que mais se impõe, pelo boneco magistral mas, também, pela garra que lhe está associada e por uma personalidade que é imagem de marca dos alemães. A criação merece uma ovação de pé e os mais rasgados elogios, o público sabe-o e cumpre.
Surge-nos ainda no elenco o nome de João Didelet, no papel do amigo Roberto, que, na grande “baralhata”, atrapalha mais do que ajuda. A divertida imagem do actor é mais valia para o seu Roberto, marca a cena, a história e merece um louvor, pela forma como diverte a plateia, utilizando recursos que estão já colados à sua figura, mas que sempre cumprem a função a que se destina. Por último, mas não menos importante, Elsa Galvão dá vida à empregada Berta, a mais caricata personagem em palco que, não tendo texto que lhe chegasse para firmar lugar nas atenções do público, conquista pela extraordinária caricatura criada pela brilhante actriz, plena de graça e que em muito contribui para o excelente resultado final da peça e para o agrado daqueles que esgotam as salas.
Um especial elogio para a encenação de Cláudio Hochman, que dá aos actores a possibilidade de brilharem para além do texto e tira bom partindo da cenografia, com um timing perfeito na utilização das portas, com um corrupio hilariante de entradas e saídas que não deixam a acção cessar em tempos mortos.
Para o excelente produto final em muito contribui uma plástica incrivelmente cuidada e onde tem lugar de destaque e marca pontos a extraordinária modernidade.
O cenário da Jetclass, concebido em branco, é deslumbrante, pleno de bom gosto e contrasta na perfeição com os figurinos de época e de cores fortes (vermelho, azul e amareo) das três hospedeiras, metáfora para as suas personalidades fortes e em perfeita sintonia com as cores sóbrias (preto e branco) dos restantes elementos.
Em suma, Boeing Boeing é uma comédia que, não trazendo nada de novo nem acrescentando algo de extraordinariamente útil ao espectador, conquista pelo luxuoso leque de actores e pela simplicidade que lhe é característica e proporciona pouco mais de uma hora de boa disposição e muitos risos e sorrisos, com o pano a cair num mais que imperativo final feliz, onde tudo se resolve a contento de todos, no único momento que pode ser considerado minimamente surpreendente (sem particulares alardes). Um espectáculo merecedor de aplausos e que dá a certeza de uma noite divertida e bem passada, com a mágica do Teatro a ocupar o seu lugar. · Boeing Boeing > De Marc Camoletti; enc. de Cláudio Hochman; cenografia de Jetclass; tradução de Marc Xavier; adaptação de Paulo Sousa Costa, produção Yellow Star Company; com Luís Esparteiro, Sofia Ribeiro, Melânia Gomes, Bárbara Norton de Matos, João Didelet e Elsa Galvão. Teatro Villaret; Avenida Fontes Pereira de Melo, 30A, Lisboa; T. 213 538 586. Qui-Sáb. às 21h30 e Dom. às 17h. 15€.

Fotos: Melânia Gomes e Lux.