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Teatral-Mente Opinando 25 | Juntos em Revista pelo país fora

Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz. 13 de Fevereiro de 2016 (21h30).

Juntos em Revista é o título da nova Revista bem à Portuguesa que Marina Mota produziu para ir de novo ao encontro do público de todo o país, num longo périplo. Prometido está um bombom de recheio bem saboroso, o que, de resto, não poderia ser diferente quando se olha para todos os nomes envolvidos no projecto.
Marina regressa às digressões encabeçando um elenco onde a experiência dá o braço à juventude e se funde num acto de amor ao Teatro. Talento, raça, versatilidade e magnetismo são os atributos que fazem dela a última verdadeira Vedeta. Mais do que a Rainha da Revista, ela é a Revista da cabeça aos pés. E admirável a sua capacidade de se transfigurar em cada novo boneco, sempre em constante comunhão com o público que na sua essência consegue rever-se e vai ao Teatro para a aplaudir, na esperança de umas horas de evasão, gargalhadas e sonho. Ela, numa constante busca pela perfeição e num respeito total pela entidade que tanto a venera, não defrauda as expectativas. Cumulativamente com a interpretação, surge-nos na parceria de autores e no cargo de encenadora, tarefas que cumpre com ímpar mestria.
Carlos Cunha é sinónimo de total empatia com a plateia e de concentrado de talento, energia, vitalidade e versatilidade! Quando ele entra, todos sabem que a noite está ganha e que as gargalhadas serão tempero forte, fruto das suas incontestáveis e aplaudidas faculdades de incrível revisteiro - mas mais que revisteiro, Actor! -, que o fazem transformar cada pequeno apontamento num momento memorável, mais não seja com uma das suas incontornáveis e indispensáveis “buchas”, que polvilham ao peça e dão mais uma valiosa pincelada de cor garrida nos textos que lhe confiaram. Aqui, tem várias figuras talhadas à sua medida, todas elas aplaudidas e a alinharem-se como momentos de boa disposição garantida.
Érica Mota continua a somar pontos e a firmar-se como grande actriz que é, conquistando, cada vez mais, o carinho, o aplauso e a atenção do público, que a admira já e reconhece em si capacidades que, finalmente, vão sendo aproveitadas a contento de todos e têm ainda muito por onde se espraiar. Saibam destinar-lhe o trabalho que merece, que, com a sua força, humildade e dedicação à Arte de Talma, passará provas e gravará o nome na plêiade dos grandes. A sua Carlota é pródiga no fôlego e na composição do boneco e, em outras tantas figuras, demonstra uma particular verve popular, que caiu no goto do público, que a coroa sempre com sinceros elogios e ovações.
Hélder Agapito é uma revelação, demonstrando que o jovem que se conhecia do meio televisivo tem também potencial cómico e criador de bonecos, elementos indispensáveis a um bom revisteiro. Multiplica-se em diferentes tipos, todos eles talhados com graça e perícia, e alia-lhes um talento vocal assinalável. É caso para dizer que o género musicado ganhou um novo valor. Inês Curado estreia-se nas tábuas e, superando muito satisfatoriamente os desafios que aqui lhe foram propostos, com destaque para a sua personagem no quadro de rua, além da qual demonstra ter potencial para continuar a evoluir em futuras produções podendo vir a mostrar mais versatilidade, com trabalho e empenho que parecem apelidar o seu nome de actriz.
António Vaz Mendes é um actor a quem se nota empenho, não deixando, no entanto, de se apagar ligeiramente no conjunto. Não obstante disso, tem o seu momento alto durante o quadro de rua, onde cativa o público no seu papel travestido, prendendo os espectadores ao seu humor físico.
No que diz respeito ao “embrulho” deste presente, a aventura está ganha pelos métodos, não originais mas eficazes, adoptados para a cenografia e guarda-roupa. Helena Reis é, sem dúvida, a melhor artista plástica que o Teatro Português conserva, a par de José Costa Reis. Dando asas às suas incríveis capacidades criativas, plenas de arrojo e bom gosto, a este Juntos em Revista emprestou, uma vez mais, o seu talento e passou para o papel algumas belas “molduras” que os seus sonhos ditaram, originando uma cenografia eficaz. Os figurinos marcam, sobretudo no final do Primeiro Acto, por um arrojo incrível e inesperado (aliás, como todo esse brilhante final da Torre de Babel, que foge ao muito que já foi feito, inova positivamente e resulta num momento que fica na memória do espectador, com a portentosa voz de Marina a arrepiar), conjugados, em vários momentos, com uma sobriedade que confere classe e beleza e marcam pontos para o excelente resultado no conjunto final, salvo raras excepções. É de louvar o esforço da companhia por, apesar de não poder haver o fausto de uma grandiosa montagem (que seria insustentável transportar em digressão), se ter incumbido de criar uma produção plasticamente bela, onde pontuam a cor e o brilho, salpicados com bom gosto.
Marco de Camillis foi o responsável pela criação coreográfica, num trabalho que satisfaz e serve, sem particulares alardes, novidades ou exuberâncias, um Corpo de Baile profissional e repleto de frescura, que não passa à margem do agrado do espectador.
Relativamente ao texto, surgem no roteiro vários originais, regra à qual apenas fogem o número dramático e os dois protagonistas do «Quadro de Rua». O espectáculo segue as tradições mais enraizadas do género, no entanto, confere-lhe novos “acepipes” - como, por exemplo, a inovadora e conseguida «Abertura» em vídeo, que perde, contudo, com o seguimento da apresentação corrida dos nomes dos elementos, deixando a desejar em termos de originalidade.
O espectáculo oferece-nos duas horas e quarenta minutos de pura diversão, salvo uma excepção que será citada, através dos textos originais de Francisco Nicholson, Marina Mota, Flávio Gil, Miguel Dias e Renato Pino. No geral, as criações – cujas canções finais e restantes momentos foram musicados por Ménito Ramos, que, nesta sua estreia em Revista, demonstra ter algum potencial que pode, em futuros projectos, evoluir mas que, para já, se limita ao bom, denotando-se a falta de uma canção orelhuda e mais popular, como é apanágio deste tipo de espectáculo - cumprem bem a função de fazer rir – com a preciosa ajuda dos improvisos que dos actores -, mas sem ter momentos brilhantes, de que apenas se aproxima o número de apresentação de Marina, onde é satirizada hilariantemente e com inteligência a taróloga Maria Helena, num momento que é festival de gargalhada supremo.
Apesar de tudo, no roteiro, destoam alguns quadros que não primam por qualquer prodígio de originalidade e não têm laivos de inteligência, espartilhando os actores em piadas já demasiado batidas e fórmulas gastas, que lhes cortam asas para voar .
E uma verdadeira Revista à Portuguesa tem, por excelência, a missão de divertir mas, ao mesmo tempo, alfinetar a sociedade e endereçar à plateia, de forma leve e convincente, mensagens de cidadania, neste Juntos em Revista, essa premissa não foi esquecida e recuperou-se um número original de Piratada à Portuguesa («Outras Vidas») - que se perfila como um dos mais geniais e emocionantes momentos de toda a história do musicado – onde, oscilando entre o riso e o “murro no estômago”, se alertam os cidadãos para as dificuldades que um portador de deficiência tem naquilo que deveria ser dado adquirido: ter direito à vida! O mais aplaudido momento de toda a peça, onde as gargalhadas dão azo à consciencialização para um tema tão sério e importante e, no final, as lágrimas se misturam com bravos e prolongadas ovações de pé para Marina Mota, que tem um desempenho magistral e absolutamente indescritível no papel de uma deficiente motora, num dos mais importantes números de sensibilização social que o palco português já trouxe ao público.
Ainda um destaque muito especial para o momento de fado no Segundo Acto que, para além da interpretação arrepiante (porque é arrepiante quando o fado acontece e quando temos à nossa frente uma verdadeira fadista, seja em que circunstância for), tem uma mais belas letras que se ouviram nos últimos tempos, de Flávio Gil, muito bem casada com uma das melhores prestações musicais de Ménito Ramos, numa conjugação finalmente à altura da alma fadista da intérprete e prova de que a Revista pode ainda ter antológicas e admiráveis odes ao fado digno desse nome.
Em suma, os portugueses têm na estrada um espectáctulo equilibrado, completo e bem estruturado, em triunfo absoluto e eleito, unanimemente, como uma verdadeira festa do Teatro, pronto a servi-lo, sem dele se servir, e a colocar um sorriso num país sisudo. · Juntos em Revista > De Marina Mota, Flávio Gil, Francisco Nicholson, Miguel Dias e Renato Pino; enc. de Marina Mota; direcção plástica de Helena Reis; coreografia de Marco de Camillis; composição e direcção musical de Ménito Ramos; produção Marina Mota Produções; com Marina Mota, Carlos Cunha, Érica Mota, António Vaz Mendes, Hélder Agapito e Inês Curado. Digressão Nacional.