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Teatral-Mente Opinando 27 | A mãe que ninguém deseja ter e o estranho que lhe fez frente


Teatro Tivoli BBVA. 14 de Maio de 2016 (21h30).

Regina Duarte passou por Portugal com o espectáculo Bem-Vindo Estranho, uma comédia onde as gargalhadas dão a mão ao suspense em quase duas deliciosas horas de bom Teatro.
Ao abrir do pano somos levados até Londres e entramos no apartamento de Jaki… Rapidamente e sem dificuldade deixamo-nos envolvemos na história de uma mãe, por vezes afectuosa, mas sempre manipuladora e sufocante, que mantém uma relação conflituosa com a sua filha Elaine, relação que se tornará ainda mais conflituosa no dia em que surgir o misterioso namorado da jovem advogada, Kiko…
Ver Regina Duarte em palco é um privilégio para qualquer pessoa. Ela é um furacão que, quando entra em cena, esmaga com a sua imponência, o seu talento e vitalidade e envolve todos com a sua arte. A sua Jaki, uma mãe como ninguém deseja, é uma incrível e magistral composição que condensa e equilibra bem as suas facetas carinhosa, divertida, implacável, controladora, desequilibrada, capaz de ser adorada e risível e no segundo seguinte completamente odiável, numa interpretação de deixar a plateia colada à cadeira e sem fôlego e, sobretudo, uma verdadeira lição da arte de representar, merecedora de rasgados elogios e estrondosas ovações.
A seu lado, Mariana Loureiro a dar vida a uma convincente e surpreendente Elaine, a filha advogada, apaixonada pelo cliente e manipulada como um fantoche pela mãe, e Kiko Bertholini no exigente mas plenamente conseguido papel de Joseph, o namorado de Elaine, acabado de sair da prisão depois de ser acusado de assassinar a namorada. Ambos desconhecidos até então do grande público português, Mariana e Kiko conseguem conquistar o público com a garra e a força que empregaram nas suas personagens, ambas com presenças marcantes e surpreenderam os espectadores com os seus incríveis talentos, deixando o espectador empolgado com o caminho e o desfecho do casal.
O texto, original de Angela Clerkin, consegue divertir, fazer soltar gargalhadas estrondosas com as situações hilariantes e os diálogos inteligentes e perspicazes, mas, também, surpreender e deixar o público em suspense à espera do segundo seguinte para saber o que vai acontecer, sem particulares previsões possíveis sobre o desenrolar da história que nos envolve e faz viver a acção como se também nós estivéssemos a partilhar o apartamento com a mãe, a filha e o namorado. Entre risos e suspense, fica para sempre uma mensagem importante: a de nos fazer pensar nas relações nos jogos ardilosos do ser humano, onde começa e termina a liberdade de cada pessoa, até que ponto pode ser saudável o ciúme e o controle de alguém de quem tanto se gosta e como se pode destruir vidas através dele. Além de tudo isso, abordam-se outros temas importantes, como é o caso do alcoolismo. A prova de que uma comédia pode e deve entregar ao público mensagens importantes, ser “desconfortável” e fazer pensar e questionar as nossas atitudes e a dos que nos rodeiam, como é missão da mágica Arte de Talma. 
A direcção de Murilo Pasta mostra-se certeira e eficiente ao não deixar tempos mortos nem quebras de ritmo, numa tensão crescente, ao utilizar em pleno o material oferecido, tanto a nível de texto como a nível cenográfico, numa peça constantemente empolgante, onde se soube alternar na perfeição o clima divertido com a atmosfera de suspense e ao não espartilhar os actores, dando-lhes aparente liberdade para dar largas aos seus talentos.
Merece também um rasgado elogio a eficiente e bonita cenografia, da autoria de J.C. Serroni que se coaduna com o texto, utilizando tons escuros, e nos leva até ao apartamento de Jackie, onde se desenrola toda a acção, entre sala e casa de banho. A apoiar a cenografia, uns elegantes e bem elaborados figurinos e, sobretudo, um extraordinário desenho de luz, que nos evidencia a passagem dos dias e o decorrer da acção, e a banda sonora, fulcral nos momentos de maior tensão.
Uma vénia, ainda, à produtora Plano 6 que, em tempo de crise, teve a ousadia de trazer até nós esta brilhante peça, numa aposta ganha.
Em suma, Bem-Vindo Estranho ficará para sempre gravado como um espectáculo memorável, inteligente, digno dos maiores elogios e aplausos, como se comprovou numa temporada de êxito retumbante em terras lusas e, para além da mensagem, deixa gravado no coração de todos os que tiveram o privilégio de o aplaudir o sorriso, o talento e a força desse furacão brasileiro chamado Regina Duarte. · Bem-Vindo Estranho > De Angela Clerkin; dir. de Murilo Pasta; cenografia de J.C. Serroni; produção Plano 6; com Regina Duarte, Mariana Loureiro e Kiko Bertholini.