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Teatral-Mente Opinando 30 | Constelações


Sala Vermelha - Teatro Aberto. 23 de Outubro de 2016 (21h30).

Constelações · Texto de Nick Payne (versão de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos); encenação de João Lourenço; cenário de António Casimiro e João Lourenço; figurinos de Dino Alves; produção Teatro Aberto; com Joana Brandão e Pedro Laginha. 
Sala Vermelha do Teatro Aberto; levada a cena de 07 de Julho a 30 de Outubro




Desde logo, na Sala Vermelha do Teatro Aberto, o espectador é transportado para uma atmosfera algo futurista que sugere a temática espacial, numa sala black box.
Mariana e Rodrigo, interpretados respectiva e assoberbantemente por Joana Brandão e Pedro Laginha, sobem à cena vestidos pela mão do afamado estilista Dino Alves.
O que é mais notável, sendo também o ponto fulcral da peça, são as noções de temporalidade, físicas e metafísicas, e a relatividade das mesmas. O enredo revela questões como o multiverso, a teoria do eterno retorno, a existência de diversas dimensões e de inúmeras possibilidades, tanto possíveis de acontecer, como acontecidas ou nunca acontecidas.
Tais complexas, e, infelizmente ainda pouco abordadas, temáticas são-nos trazidas através do prodigioso texto de Nick Payne, suportado por uma encenação sui generis, em que várias cenas se repetem, sequencial e não sequencialmente, e, através dessa repetição, nos mostram que consequências podem ter ou não quer as mais ténues, quer as maiores alterações e decisões, e quão múltiplos podem ser os rumos tomados.
Tudo isto é agregado através de uma atmosfera de viagens espaço-temporais, sugerida quer pela sonoridade, quer pela movimentação dos actores que correm pelo cenário, alterando numa questão de segundos todo o registo emocional do personagem, com interpretações verdadeiramente assoberbantes no que toca à sua versatilidade, quer, ainda, pelas projecções.
A repetição extremamente bem conseguida das cenas é absorvente, tornando até difícil a objectividade da análise do espectáculo como um todo, por chegar a ser demasiado envolvente. Quer pelo texto, quer pela expressividade da representação, quer pelo suspense ao longo de toda a peça de não haver nem um início concreto nem um fim, quer ainda pela intensidade dos temas abordados como é o caso da eutanásia.
E tudo isto equilibrado com um humor de situação, grande parte das vezes inesperado, em que se chega a misturar a vida sexual das abelhas com temas como o casamento e a própria morte ou obrigação à vida.
Assim, com recurso a audiovisuais cronometrados com mestria com a representação, e com a criativa utilização das três plataformas redondas, Constelações torna possível a criação de uma atmosfera cénica com um espaço sem tempo, e um tempo sem lugar, ou talvez o excesso de ambos, ou ainda a falta de todos, ou talvez todas as possibilidades entre uma e a outra, ou nenhuma.
Trata-se tanto de uma "lufada de ar fresco", como de um "murro no estômago". Constelações deixa-nos permanente e continuamente assoberbados, preplexos, submersos e ainda assim flutuantes no enredo, e, sobretudo, constantemente a quebrar bolhas mentais, lado-a-lado com o desenrolar do espectáculo.

Será, afinal de contas, mesmo isso, o poder reflexivo do teatro levado ao expoente máximo, num malabarismo entre “quotidianismo” e física quântica, apoiado pela permanente indução à abertura e ruptura de horizontes. · Fotografias: Teatro Aberto